sábado, 26 de dezembro de 2009

....

Acordei e não me apetecia levantar. Sentia-me cansado e a noite tinha sido curta. Aliás, a noite teve a duração habitual, eu é que não dormi. Sentia-me estranho, com medo de tudo. Pensei em várias coisas mas estava com um pressentimento mau e de que algo me poderia acontecer no dia seguinte.
A noite estava chuvosa e o frio gelava-me de uma ponta à outra. O chá acompanhou-me até ir repousar…era de menta. Quando me deitei pensei que estava cansado e que tinha de adormecer rapidamente porque o dia seguinte ia começar cedo. E adormeci? Não. Fiquei a pensar que algo de mau estava prestes a acontecer-me. Não sabia explicar o quê mas sentia-o. Ainda assim pensava que estava louco e que tinha de deixar esses pressentimentos. Afinal de contas ninguém adivinha o futuro, muito menos eu. Passadas três horas adormeci.
Quando acordei aquela sensação estranha estava impregnada no meu corpo. Sentia-a a possuir-me, a tomar conta de mim, dos meus pensamentos, dos meus movimentos…de mim. Mas levantei-me e lá fui eu à minha vida…
Saí de casa e abri o chapéu de chuva, verde seco, dos chineses. Lá ia eu pela rua fora e, de repente, sem eu quase dar por isso, o chapéu voou. Não sei como não fui com ele mas mais valia ter ido. Fui até ao meu destino, com a chuva a bater-me de frente nos olhos, mal os conseguia abrir, a sorte é que aquele era um caminho que fazia parte da minha rotina diária. Os pés deslizavam na calçada, parecia um bailarino e não um transeunte. Não estava a perceber o que se passava com as botas, elas deslizavam, pareciam que tinham rodas e não uma sola de borracha. Só me apetecia dizer asneiras, disparatar, ralhar com tudo. Ralhar com a chuva, com o vento, com as pessoas que olhavam para mim, com tudo. Mas cheguei ao meu destino, sem cair e completamente molhado.
A primeira coisa que fiz? Beber um café – duplo, por favor. De seguida pus mãos à obra e comecei a escrever e foi aí que percebi o que se tinha passado naquela noite. Não tinha sido comigo, tinha sido no meu país, com alguns dos meus companheiros de território e tinha sido catastrófico. Aquela noite em que eu não tinha dormido tinha criado, na sua escuridão, no seu silêncio, na sua obscuridade, um tornado. Um tornado? Algo idêntico a isso…destruiu plantações, casas, vidas…basicamente destruiu o natal a muita gente. E eu? Porquê que estava com aquele pressentimento se não era nada comigo? Porquê? Porque agora tinha de ir para o local e relatar o que tinha acontecido para sair no jornal de amanhã…Sim, eu tinha de ir viver a agonia daquelas pessoas, eu tinha de ir ver a destruição que aquela coisa provocou.
Quando cheguei ao local as únicas coisas que ouvia eram: “destruição”, “destruído”, “incrível”, “o que a força da natureza faz”, “de onde é que isto veio?”, “sabe o que isto foi?não temos luz”, “não temos água”, “não temos telemóvel”, “está tudo destruído”.
Eu não me sentia bem ali…tinha de questionar a agonia, tinha de pôr pessoas a chorar enquanto me relatavam os factos.
Nasci para ser jornalista? Naquele dia percebi que não.
No dia seguinte despedi-me.
Nos primeiros três meses passei fome, fiquei sem dinheiro para pagar a casa e fui viver para a rua.
Passado um ano, depois de receber ajuda de amigos, recuperei de todo aquele imbróglio e tornei-me ambientalista.
Passados vinte anos era feliz.
Os maus pressentimentos atacam-nos, a dor ataca-nos mas temos de reagir, temos de encontrar uma saída…temos de lutar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário