Houve qualquer coisa de estranho naquele dia. Ele sabia da existência daquele momento.Não o sabia descrever. A única coisa de que se lembrava era daquela cara. Aquela boca que, timidamente, passou a ter o formato de um "c" deitado com as pontas para cima. Aquele olhar ternurento que lhe foi lançado. E porquê? Porquê que ele se lembrava daquele momento? No fundo, sabia melhor que ninguém, que tudo isto podia não ter sido para ele. Mas, felizmente, ele apanhou-o. Apanhou o olhar, apanhou o sorriso, apanhou o momento. Se lhe perguntassem o que é que tudo isto lhe fazia lembrar, ele dizia, simples e rapidamente: uma fotografia. Ele a máquina fotográfica, ela o objecto fotografado. Ele captou o momento, com tanta nitidez que tinha medo de pensar que não se voltaria a repetir. Claro que sabia que isso era, na teoria possível, na prática quase impossível.
Viu-a no metro, quando saía rapidamente da carruagem e ela entrava. Vinha com os olhos colados ao chão e raramente levantava de lá o olhar. Tinha no bolso o iPod, o instrumento que lhe animava os primeiros minutos da manhã. A música que ouvia na altura, sabia-a de cor. De repente tropeça e ergue momentaneamente a cabeça, de forma a dar a entender que aquele "jeito desajeitado" não lhe era característico. Ao mesmo tempo que levanta a cabeça, mente descaradamente à sociedade. Ele sabia que quase todos os dias tropeçava em si próprio, mais do que uma vez ao dia. Aquela era apenas a primeira, daquele dia. No momento em que ergueu a cabeça, sorrio, de forma a mostrar que estava bem e que o dia lhe estava a começar ao jeito, desajeitado. E, pela primeira vez, o sorriso foi-lhe retribuído. Ela sorrio-lhe, carinhosa e timidamente, mostrando-lhe um ar de compaixão. Na altura, ele quase nem reparou que ela lhe tinha sorrido. Ele quase nem viu o quão bonito era aquele sorriso. Ainda assim, não houve um minuto em que não pensasse nele.
O ar desajeitado que tinha, caracterizava-o tão bem, por fora e por dentro. Foi este ar que o tramou, foi este ar que o fez não reparar e correr atrás daquele sorriso. E agora? Será que o vai ver novamente? Ele pode cruzar-se com ela todos os dias e nem ter reparado. Ou ela pode ser só mais uma pessoa que passou, naquele momento, na sua vida e que nunca mais vai passar. Ela podia estar de passagem pela cidade. Podia ser estrangeira e estar só de passagem. Podia tantas coisas que ele foi dormir e sonhar com aquele sorriso. Interiorizou que era impossível voltar a vê-la, voltar a cruzar-se com ela à saída do metro. Voltar a ver aquele sorriso. E interiorizou-o para parar de pensar nisso.
No dia seguinte, só se lembrou dela quando ia a sair da carruagem e tropeçou novamente, desta vez não sorrio mas ergueu a cabeça à procura dela. E ela? Não estava lá. Foi aí que se lembrou do sonho que teve naquela noite. E tão perfeito que foi...
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