quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Maria

Lá estava ela sentada no degrau das escadas que davam acesso à porta principal da casa em que dormia. A casa não lhe pertencia, era uma casa alugada com companheiras de curso. Por norma, ela ficava ali sentada a pensar, porque lá dentro não conseguia. A confusão que criavam dentro daquela casa era tal que ela não se sentia bem, não conseguia sentir que pertencia àquela casa. Estava ali sentada há mais de uma hora, a chorar, compulsivamente e ainda ninguém tinha dado por ela. Se entrasse dentro de casa todos se preocupariam com ela, porque todos gostavam dela. Todos se preocupavam mas não percebiam que ela não estava bem, que ela não estava a passar por bons tempos. A vida tinha dado uma volta de 180 graus nos últimos tempos, tinha descoberto que estava doente e não sabia como contar aos pais e aos amigos. Pensava que ia morrer. Enfrentava os dias com grande audácia e felicidade mas depois, no fim do dia, na escuridão da noite, sentia-se mal e chorava, chorava horas a fio. Não sabia com quem falar, só sabia que tinha de falar com alguém e que precisava de desabafar.
Ela levantou-se do degrau, secou as lágrimas que lhe corriam pelo rosto, penteou o cabelo com os dedos, ergueu a cabeça e entrou dentro de casa, a sorrir. Sorria para esconder a tristeza, como fazia ao longo de todo o dia. Escondia a tristeza com sorrisos, brincadeiras e com o bom humor que lhe era característico. Ao entrar em casa foi, como era hábito, bombardeada de perguntas: onde é que estiveste? o que estiveste a fazer? com quem estiveste? porquê que desapareces sem dizer nada a ninguém?
Após estas perguntas decidiu finalmente contar às companheiras o que se passava, não aguentava mais, não conseguia esconder mais do mundo o problema que tinha. Começou a chorar, abraçou a primeira amiga que lhe apareceu à frente e esteve ali, nos braços dela, mais de trinta minutos, a chorar, sem conseguir dizer uma palavra. A meia hora que passou foi a melhor coisa que lhe aconteceu nos últimos tempos, conseguiu finalmente sentir-se aconchegada, acompanhada, acariciada, sentiu o que precisava. Não sabia porquê que ainda não tinha contado ao namorado, nem aos pais, nem a nenhuma das amigas. Simplesmente não tinha tido coragem, nem tinha encontrado o momento certo. Não sabia quando é que o seu problema ia ficar resolvido, só sabia que precisava de companhia para o enfrentar. E era este o momento certo, era este o momento em que ia conseguir desabafar e começar a sentir o carinho de que precisava.
E contou, contou que tinha um pequeno nódulo nas cordas vocais e que ia ter de ser operada em breve. Podia ficar sem voz para sempre e podia recuperar. Mas estava com medo, nem o médico sabia o que o futuro lhe reservava...

3 comentários:

  1. Infelizmente sei o que a tua personagem sentiu, apesar de o meu caso ser diferente. A minha doença era mais a nível mental.
    Passei a minha adolescência numa profunda depressão. O meu dia era um conjunto de actos de representação. Apenas só tinha espaço para ser realmente Eu. Gostei muito e talvez passe a seguir o teu blogue.
    bjs_by_Ynothementalist

    bjs_by_Ynothementalist

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  2. :D o "talvez passe a seguir o teu blogue" foi a parte mais gira do comentário. Quanto ao resto, compreendo perfeitamente o que dizes e gosto de escrever algo com que as pessoas se identifiquem, acho que é aí que o texto ganha poder. Obrigado por passares por aqui :D
    @inesturika

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  3. lol :P (eu já sigo) :) sim, concordo :) e passarei mais vezes.

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